sábado, 5 de setembro de 2009

Os dois

Então todos os sons cessaram, apenas a consciência da própria existência. Lenta e suavemente as possibilidades se apresentaram, teria todas as que desejasse, não desejaria todas. Jamais desperdiçar um desejo, desperdice uma vida, um amor, um sonho. Desejos são o único sagrado.



Mais alto que a música das harpas era o clamor da multidão. As harpas eram grandes e bonitas, quase rústicas. Três pessoas tocavam cada uma delas por vez. Os trovadores não ousavam poemas ou historias apenas flautas doces e transversas. A princesa iria se casar. A princesa do rei que morreu ha anos. Doze anos de Governo do irmão, irmão que perde hoje o trono para o príncipe estrangeiro. Ishtar, cabelos da cor da escuridão, olhos de um azul puro, quase inumano, como o céu. Mais bela que ele, a princesa, Leighann é como a chamam. Os olhos sempre felizes, como se vissem uma estrela que não brilhasse para mais nenhum mortal.
O par de mãos dadas atravessou a multidão. Sem guardas, apenas o campeão do príncipe e o campeão do reino de Antharos, reino da princesa. Esses dois apenas decoração, insistência da aristocracia. O povo os amava, era impossível não amá-los se você tivesse vivido em Antharos. Todo morador já tinha visto a princesa fugindo do castelo. Quase todo já tinha a levado de volta junto com meia dúzia de guardas.
O príncipe era uma visita comemorada, infante do reino visinho, Arckthee, sempre envolvido em problemas com todo tipo de travessura e sempre jogando dinheiro ao vento. Tornou-se odiado pelos cavaleiros do reino no ano no qual foi o vencedor do torneio de justas. Seus servos dizem que é um senhor gentil como parece ser. Nunca perde na justa. Sempre adorou Leighann, desde quando a viu com seu vestido marrom de vendedora de flores, seu disfarce preferido que só funciona com forasteiros. Na ocasião seu pai a recompensou com uma moeda de platina por uma informação, a menina mal tinha oito anos e já era dona do coração de Ishtar, na época um desajeitado completo cheio de moedas.
Hoje os dois se casam, agora os dois se desvencilham do carinho das pessoas e se recolhem ao castelo de pedras escuras, são três castelos e um para cada ocasião.

_ Você ainda tem a moeda que meu pai lhe deu ?
_ Nada deixa meu covil de recordações, ela está lá.

A princesa parecia uma criança dizendo isso, fez ate o olhar travesso que ele adorava em segredo. Sim, ela sabia, sempre sabia.

_ Uma caixa de madeira, ouro e veludo é o seu covil? Então não me aterrorize com como chama o seu quarto. Quando vai me mostrar a caixa?

A expressão suplicante de Ishtar não a comoveu mais que as caricias em sua mão e essas não a comoveram nem um pouco.

_ Já te dei o maior reino dos homens e mais bonita das mulheres...

Príncipe atrevido, sabia o que ela diria. Não a deixou terminar.

_ Ah, sei o que tenho. Das companheiras a melhor, a mais forte, a eterna. Mas não é minha de verdade enquanto se guarda de mim. Tem todos os meus segredos, minha vida inteira é sua.

Ele fitava o próprio reflexo nas pedras pretas polidas do piso. Suspirou triste, sabia que o sorriso dela dizia que morreria por ele e mesmo assim ele jamais veria o conteúdo da caixa. Continuou.

_ Perdão, rainhas tem segredos. Todas elas. Guarde os seus segredos bem confortáveis. Agora preciso deixar você se arrumar. Não pode se casar com esse vestido de menina das flores.

Leighann sorriu, ele sempre sedia. Estava ansiosa para ver o seu corpo no vestido novo. Beijou o príncipe e o apressou para sair. Logo que o reflexo dele deixou o espelho a princesa suspirou cheia de uma culpa que ainda não tinha.

_ Uma rainha. A mais bela sim meu príncipe, não a melhor.

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